Alguma vez você já parou pra pensar que a
galinha que vai parar no seu prato de comida, um dia era um bichinho vivo? Pois
é, quase nunca a gente pensa nisso porque, afinal, somos seres carnívoros e
precisamos de proteínas para a nossa saúde.
Hoje vamos ler mais um texto do gênero “memórias”.
Ele foi escrito por Fernando Sabino, outro importante escritor brasileiro.
Nesta história ele conta sobre o dia em que resolveu salvar uma galinha de ir
para a panela. Como será que ele fez isso? Leia o texto e descubra.
Após fazer a leitura do texto, em seu
caderno, copie e responda as questões propostas.
Galinha
ao molho pardo

Ao chegar da escola,
dei com a novidade: uma galinha no quintal.
O quintal de nossa casa era grande,
mas não tinha galinheiro, como quase toda casa de Belo Horizonte naquele tempo.
Tinha era uma porção de árvores: um pé de manga sapatinho, outro de manga
coração-de-boi, um pé de gabiroba, um pé de goiaba branca, outro de goiaba
vermelha, um pé de abacate e até um pé de fruta-de-conde. [...] De um lado o
barracão com o quarto da Alzira cozinheira e um quartinho de despejo. Do outro
lado, uma caixa de madeira grande como um canteiro, cheia de areia que papai
botou lá para nós brincarmos. [...]
Pois no fundo
do quintal que eu vi a galinha, toda folgada, ciscando na caixa de areia. Havia
sido comprada por minha mãe para o almoço de domingo: Dr. Junqueira ia almoçar
em casa e ela resolveu fazer galinha ao molho pardo.
Eu já tinha
visto a Alzira matar galinha, uma coisa terrível. Agarrava a coitada pelo
pescoço, agachava, apertava o corpo dela entre os joelhos, torcia com a mão
esquerda a cabecinha assim para um lado, e com a direita, zapt! passava o facão
afiado, abrindo um talho no gogó. O sangue esguichava longe. Ela aparava logo o
esguicho com uma bacia, deixando que escorresse ali dentro até acabar. E a
bichinha ainda viva, estrebuchando nas mãos da malvada. Como se fosse a coisa
mais natural deste mundo, a Alzira me contou o que ia acontecer com a nova
galinha.
Revoltado, resolvi salvá-la.
Eu sabia que
o Dr. Junqueira era importante, meu pai dependia dele para uns negócios. Pois
no que dependesse de mim, no domingo ele ia poder comer tudo, menos galinha ao
molho pardo.
Era uma
galinha branca e gorda, que não me deu muito trabalho para pegar. Foi só correr
atrás dela um pouco, ficou logo cansada. Agachou-se no canto do muro, me olhou
de lado como as galinhas olham e se deixou apanhar.
Não sei se
percebeu que eu não ia lhe fazer mal. Pelo contrário, eu pretendia salvar a sua
vida. O certo é que em poucos minutos ficou minha amiga, não fugiu mais de mim.
- O seu nome é Fernanda - falei
então. [...]
- Vou esconder você num lugar que
ninguém é capaz de descobrir.
Junto do
tanque de lavar roupa costumava ficar uma bacia grande de enxaguar. A Maria
lavadeira só ia voltar na segunda-feira. Antes disso ninguém ia mexer naquela
bacia. Assim que escureceu, escondi a Fernanda debaixo dela.
[...] Na
manhã de domingo me levantei bem cedo e fui dar uma espiada na Fernanda, onde
tinha ido me esconder.
[...] Lá no fundo escuro do porão
[...] vi a Alzira olhar ao redor:
- [...] onde é que se meteu a
galinha? [...]
- Você não estava brincando com ela
ontem, menino?
- Isso foi ontem. Hoje eu não vi ela
ainda.
- Será que fugiu? Ou alguém roubou?
[...]
Agarrei a ideia no ar, era a
salvação:
- Isso mesmo!
Quando eu estava ali no quintal vi um homem passar correndo... Levava uma coisa
escondida embaixo do paletó. Só podia ser a galinha.
A Alzira não parecia acreditar muito
na história. Pelo contrário, ficou mais desconfiada.
[...] E saiu
pelo quintal, à procura da galinha, olhando aqui e ali: nos galhos das árvores,
atrás do barracão, no meio dos bambus. Depois foi contar para mamãe que a
galinha havia sumido.
Fui atrás, para o que desse e viesse.
Escutei tudo. Mamãe torcia as mãos:
- E agora, como vai ser? Como é que
ela foi sumir assim, sem mais nem menos?
- Sei lá -
respondeu a Alzira: - Não acredito que tenham roubado, como diz o Fernando. Vai
ver que saiu voando e pulou o muro. Bem que pensei em cortar as asas dela e me
esqueci. Agora é tarde.
- Está quase
na hora do almoço - disse minha mãe: - O Dr. Junqueira está para chegar em uma
hora, e como é que a gente vai fazer sem a galinha? O Domingos vai ficar
aborrecido.
Dali a pouco
era o meu pai quem chegava da rua, trazendo o jornal de domingo debaixo do
braço. Quando mamãe lhe deu a triste notícia, para surpresa minha e dela, ele
não se aborreceu:
- Faz outra coisa. Macarrão, por
exemplo. O Dr. Junqueira é bem capaz de gostar de macarrão.
[...] Pois o
Dr. Junqueira não só gostou, como repetiu duas vezes, para grande satisfação de
mamãe. [...] Guardanapo enfiado no colarinho, o Dr. Junqueira limpou os
bigodes, satisfeito:
- Ainda bem que era essa macarronada
tão boa. Eu estava com medo que fosse galinha. Se tem uma coisa que eu detesto
é galinha. Principalmente ao molho pardo.
Nem por isso
senti que minha amiga Fernanda não estava mais condenada à morte. Mesmo porque,
meu pai gostava também de galinha, com ou sem o Dr. Junqueira. Por outro lado,
ela podia ficar escondida o resto da vida (eu não tinha a menor ideia de quanto
tempo vivia uma galinha). E na manhã seguinte a Maria viria lavar roupa, ia
descobrir a Fernanda encolhida debaixo da bacia.
Depois que o
almoço terminou e o Dr. Junqueira se despediu, fui lá perto do tanque fazer uma
visitinha a ela, resolvido a ganhar tempo:
- Você hoje ainda vai dormir aí, mas
amanhã eu te solto, está bem?
Ela fez que sim com a cabeça. [...]
De manhãzinha, antes que a Maria
lavadeira chegasse, fui até lá, levantei a bacia e peguei a Fernanda, procurei
mamãe com ela debaixo do braço:
- Olha só quem está aqui.
Mamãe se espantou:
- Uai, ela não tinha sumido? Onde é
que você encontrou essa galinha, Fernando?
De repente seus
olhos se apertaram num jeito muito dela, quando entendia as coisas: havia
entendido tudo. Antes que me passasse um pito, eu avisei:
- Se tiverem de matar a minha amiga,
me matem primeiro.
Mamãe achou graça quando soube que
ela se chamava Fernanda e resolveu não se importar com o que eu tinha feito,
pelo contrário: deixou que a galinha passasse a ser um de meus brinquedos. Só
proibiu que eu a levasse para dentro de casa. Fernanda me seguia os passos por
toda parte, como um cachorrinho.
E ela continuou minha amiga, até
morrer de velha, não sei quanto tempo mais tarde.
Só sei que alguns dias depois do
almoço do Dr. Junqueira, mamãe comprou um frango.
- Esse vai se chamar Alberto - eu
disse logo.
- Pois sim - disse minha mãe, e
mandou que a Alzira tomasse conta do frango.
No dia seguinte mesmo, no almoço,
comemos o Alberto. Ao molho pardo.
Autor: Fernando Sabino. Fonte: O menino no espelho. Rio de Janeiro: Record, 1992.
Responda
1) O título está adequado ao texto? Por quê?
2) O gênero textual da história Galinha ao molho pardo é uma memória literária porque: (Copie só a resposta certa):
a) Apresenta um caso verídico, narrado por um
personagem.
b) Possuiu somente um personagem.
c) Está organizado em estrofes e versos.
d) Traz sempre uma moral da história, ao final.
3) Quem são os personagens que participam dessa
história e quem é o protagonista (personagem principal)?
4) Qual foi a novidade que o menino encontrou quando
chegou da escola? O que ele fez?
5) Leia as definições sobre os tipos de narradores:
1. Narrador-personagem é aquele que participa da
história ao mesmo tempo em que narra.
2. Narrador-observador é aquele que não participa
das ações, limitando-se a narrar.
3. Narrador-onisciente é aquele que revela até o que
os personagens pensam e sentem.
Qual é o tipo de narrador do
conto lido? Responda escolhendo um tipo e sua definição.
6) Como era o quintal da casa de Fernando?
7) Qual foi o problema (um conflito) central do
texto?
8) Como esse problema foi resolvido?
9) O Dr. Junqueira gostou do jantar por quê? (Copie só a resposta certa):
a) Ele adora comer galinha, principalmente ao molho
pardo.
b) Comeu de olhos fechados e por isso não sabia o
que estava comendo.
c) Adora macarronada e repetiu duas vezes.
d) Come peixe todos os dias em sua casa.
10) No trecho a seguir,
identifique e circule os verbos e locuções verbais que estão no pretérito. Por
que esse tempo verbal foi empregado constantemente no texto?
“Pois no fundo do quintal que eu vi a
galinha, toda folgada, ciscando na caixa de areia. Havia sido comprada por
minha mãe para o almoço de domingo: Dr. Junqueira ia almoçar em casa e ela
resolveu fazer galinha ao molho pardo.